Mensagens obtidas ela Polícia Federal no inquérito que investiga a organização de atos antidemocráticos e tornadas publicas após o ministro Alexandre de Moraes derrubar o sigilo da investigação mostram que o governo Bolsonaro através da Secom(Secretaria de Comunicação Social), então comandada por Fabio Wajngarten, tentou formar uma rede de mídia chapa branca, definida por Wajngarten como “mídia aliada”, segundo mensagens divulgadas em reportagem de O Globo.
Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social |
O relatório da PF mostra que quando assumiu a Secom em abril de 2019 Wajngarten se aproximou do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, dono do site Terça Livre e amigo dos filhos do presidente. Wajngarten se apresentou para Allan dos Santos dizendo ser um empresário de mídia “muito” próximo de executivos de emissoras de TV. Disse ainda que poderia aproximar o blogueiro desses veículos e que, naquela semana, já havia promovido encontros de parlamentares com a cúpula do SBT, da Band e que iria se encontrar com “bispos da Record”. Em nota, Wajngarten diz que atuação na Secom foi ‘técnica e profissional’, e emissoras negam privilégio e reafirmam isenção.
Em diálogos, Wagjngarten demonstra preocupação com o atraso no pagamento de verbas de publicidade a quem classifica como “aliados”. Ele diz ter sido informado que a “Caixa”, em provável referência à Caixa Econômica Federal, estaria “devendo dinheiro” à Band e “RTV” (possível citação à Rede TV!), veja os diálogos:
Fabio Wajngarten: “Caixa devendo dinheiro pra BAND, RTV”.
Allan dos Santos: “E como foi?”
Fabio Wanjgarten: “os aliados estão furiosos”
Fabio Wajngarten: “General sentou em cima e não paga nenhuma nota passada”
Fabio Wajngarten: “provocando iminentes tumores”
Allan dos Santos: “Desnecessário”
Fabio Wajngarten: “totalmente desnecessário”.
Embora a PF não identifique quem é o general citado no diálogo, na época a Secom era vinculada à Secretaria de Governo, chefiada pelo general Carlos Alberto Santos Cruz. O militar foi alvo de ataques de bolsonaristas e acabou sendo demitido pelo presidente.
Wajngarten relatou que tentou aproximar Bolsonaro da cúpula da Band — e chegou até a fazer uma ligação por meio de videoconferência entre o presidente e Johnny Saad, dono do Grupo Bandeirantes, e Paulo Saad, vice-presidente da emissora.
Allan dos Santos disse a Wajngarten que era preciso trazer “esses caras” para perto do governo, com o que o então chefe da Secom concordou, conforme demonstra o diálogo:
Fabio Wajngarten: “na hora convidei-os”.
Fabio Wajngarten: “óbvio”
Fabio Wajngarten: “ninguém está vendo”
Fabio Wajngarten: “uma barbaridade”
Fabio Wajngarten: “mídia aliada”
Allan: “Excelente”
Foi revelado pela imprensa que a empresa de Wajngarten tinha contratos com as emissoras Record e Band, que recebiam recursos da Secom. Allan dos Santos compartilhou um link de uma notícia sobre a decisão do Ministério Público que atua perante o Tribunal de Contas da União (TCU) de pedir à Corte que obrigue a Secom a distribuir verbas publicitárias do governo com base em critérios técnicos. Wajngarten respondeu: “Eles querem o retorno de 80% para a Globo. Vergonhoso”. Na sequência, o blogueiro bolsonarista sugeriu: “Bora bater sem parar”. O então chefe da Secom agradeceu.
Dentro de uma estratégia da Secom de retaliar os que não são considerados “mídia aliada” foi discutida até uma proposta de criação de um departamento de contrainformação.
Wajngarten criou um grupo de WhatsApp chamado “Mídia Pensante — SECOM” e adicionou Allan dos Santos. Um dos integrantes chegou a sugerir em uma mensagem: “Fabio (Wajngarten), aquela ideia de comunicação estratégica e contrainformação. Na minha opinião, você deve criar um departamento para isso. Você já até concordou com a ideia. Vamos implementá-la?”. Wajngarten, sem titubear, respondeu: “Vamos implementar”.
Em outra mensagem, enviada por Allan dos Santos a um contato chamado por ele de “Eduardo”, em provável referência ao deputado federal Eduardo Bolsonaro, ele diz: “Precisamos da Secom para implementar uma ação que desenhamos aqui”, afirma o blogueiro, que sugeriu a indicação de uma pessoa para assumir a Secretaria de Radiodifusão. “Seu pai disse que sim”, alertou Allan dos Santos.
Nessa mesma mensagem, Eduardo diz que tem o contato de Douglas Tavolaro, ex-executivo das emissoras Record e CNN. “O Douglas diz que a linha será da Record, que o que vem dos EUA é só o nome CNN”, afirma o filho do presidente.
Na comparação entre os biênios de 2017 e 2018 (sob o governo do então presidente Michel Temer) e 2019 e 2020, já no governo de Jair Bolsonaro, a verba da Secom caiu, em média, 26%, saindo de um total de R$ 409 milhões para R$ 300,5 milhões. O volume de recursos públicos destinado à Globo Comunicação e Participações, que controla a TV Globo, teve um corte maior — de 69%. A verba destinada à Record caiu 7%, saindo de R$ 36,5 milhões para R$ 33,8 milhões. O SBT teve uma queda de 16%, passando de R$ 34,5 milhões para R$ 28,9 milhões. A Bandeirantes teve uma queda de 22%, ainda abaixo da média, caindo de R$ 12 milhões para R$ 9,6 milhões. A Rede TV!, ao contrário, teve aumento no volume de verbas de 10%, saindo de R$ 1,5 milhão para R$ 4,1 milhões no período.
Os dados compilados de janeiro a junho deste ano apontam que o padrão vem se mantendo. Duas emissoras lideram o ranking de recebimento de verba pública — a Record, com R$ 8,3 milhões, e o SBT, com R$ 8,3 milhões. A Globo está em terceiro lugar, com R$ 6,2 milhões, à frente da Bandeirantes, com R$ 4,4 milhões e Rede TV! com R$ 1,8 milhão.
Uma instrução normativa do governo federal estabelece quais os critérios que a Secom deve considerar para fazer a distribuição da sua verba de publicidade institucional. O primeiro critério estabelecido na norma é a audiência. Em seguida estão: perfil do público-alvo, perfil editorial, cobertura geográfica, dados técnicos de mercado, e pesquisas de mídia, sempre que possível. Um trabalho de auditoria do TCU, revelado pelo jornal Folha de S. Paulo, apontou que faltam critérios técnicos para a distribuição de verbas publicitárias a TVs abertas pelo governo Jair Bolsonaro.
Essa não é a primeira vez que a atuação de Wajngarten em benefício de veículos vem à tona. Em 2020, sua gestão foi alvo de processos no Tribunal de Contas da União (TCU) e no Ministério Público Federal (MPF). Os processos começaram depois de revelações feitas pelos jornais O GLOBO e Folha de S. Paulo de que canais do Youtube e sites que veiculam desinformação e propagam discurso antidemocrático recebiam verba publicitária da Secom e de estatais como o Banco do Brasil, Petrobras, Eletrobras e BNDES. O TCU chegou a suspender toda a publicidade do Banco do Brasil na internet. O MPF, por sua vez, abriu um inquérito para apurar a eventual distribuição de verbas com base em critérios “ideológicos”.